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O site da CAASP ouviu o advogado Vicente Greco Filho(foto) sobre a Lei Federal 12.846, que prevê punições a pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção e foi saudada por toda a sociedade brasileira. Mas o decreto que a regulamenta no âmbito do Estado de São Paulo contém uma inconstitucionalidade, na análise de Greco Filho, professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Leia na entrevista a seguir. 

CAASP.org – Que efeitos práticos a Lei Federal 12.846, de agosto de 2013, pode trazer no combate à corrupção? 

Vicente Greco Filho – A punição da pessoa jurídica pela prática de atos lesivos cometidos por seus representantes contra a administração pública, em nível cível e administrativo. A principal finalidade de lei é fortalecer os órgãos de fiscalização, aumentando o rigor das sanções impostas às empresas que se beneficiem pela prática de atos de corrupção e de fraudes a licitações públicas. 

Que tipo de punições – e a quem – a Lei Federal 12.846 prevê? 

Em linhas gerais, a lei pune a promessa, o oferecimento ou a entrega de vantagem indevida a funcionário público; o financiamento, o custeio, o patrocínio ou qualquer subvenção dos ilícitos; a utilização de pessoas físicas ou jurídicas interpostas (“laranjas”) para ocultação ou dissimulação de interesses lesivos ou identidade de beneficiários; a prática de fraudes em licitações e contratos públicos; ações que dificultem a investigação ou fiscalização de órgãos de controle (artigo 5º).  

A nova lei não alcança todas as empresas? 

O parágrafo único do artigo 1, que define as empresas sujeitas à lei, é bem abrangente. Engloba, por certo, qualquer sociedade empresarial, independentemente de suas formas e, também, as entidades sem personalidade jurídica, ou seja, as sociedades de fato. Igualmente, estarão sujeitas à lei as sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro. 

Que análise o senhor faz da regulamentação da Lei 12.846 no Estado de São Paulo, conforme o Decreto 60.106, de janeiro de 2014? 

Acreditamos que o citado Decreto nº 60.106, editado para disciplinar a aplicação da lei ao Estado de São Paulo, é eivado de evidente inconstitucionalidade decorrente de errada compreensão da lei federal ao atribuir competência para aplicação de sanções a empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais, na verdade, são entidades de Direito Privado. 

Veja que o artigo 8º da Lei Federal dá a entender que a autoridade máxima de qualquer entidade dos poderes executivo, legislativo e judiciário, pelo seu dirigente máximo, poderia instaurar o processo administrativo e aplicar as sanções. 

Não se pode esquecer, porém, que o poder executivo tem entidades da administração indireta de Direito Privado e que não podem aplicar sanções a quem quer que seja. A aplicação de medidas punitivas aos particulares, pessoa jurídica ou natural, é privativa de entidades de Direito Público, porque o poder sancionatório é decorrência da chamada potestade administrativa, que somente pessoas jurídicas de Direito Público detêm. 

Disso decorre que empresas públicas e sociedades de economia mista, apesar de serem entidades do poder executivo, não a exercem nem podem exercê-la e, consequentemente, não podem instaurar processos administrativos punitivos e muito menos aplicar sanções, como ocorre com o exercício do chamado poder de polícia. Se o fizerem, sua atuação será inconstitucional, por violação do princípio do direito à liberdade de agir e da integridade da pessoa, que somente pode ser restringida pela lei e, no caso de sanção, somente poderá ser aplicada por entidade de Direito Público. 

Trata-se de princípio implícito e que encontra resguardo no § 2º do art. 5º da Constituição. Aliás, as pessoas jurídicas de Direito Privado, ainda que pertencentes à administração indireta, estão sujeitas à lei comentada, se um de seus agentes praticar atos lesivos em face de pessoa de direito público, estando sujeitas às penas da lei. Imagine-se a hipótese, não impossível ou cerebrina, de uma empresa controlada pelo Estado vier, por meio de um de seus agentes, a corromper um agente federal para obter, por exemplo, uma licença ambiental federal. 

Poderá ela ser punida, certamente; ora, sendo assim, como poderia ter o poder de aplicar sanções a empresas concorrentes? Isso sem falar que o dirigente máximo da empresa também pode estar direta ou indiretamente envolvido na corrupção de algum de seus membros ou, por esprit des corps, tenha a tendência de protegê-los. 

Completa o embasamento constitucional desse entendimento o artigo 173 da Constituição, que coloca a empresa pública e a sociedade de economia mista no plano da atividade econômica e no nível do setor privado, excluindo-lhe, portanto, o poder de aplicar sanções aos administrados, pessoas naturais ou jurídicas. O poder sancionatório é do Estado, enquanto tal e atua por intermédio das pessoas jurídicas de Direito Público.  

O que pode ser feito para corrigir as incorreções do Decreto 60.106? Há prazo para tanto? 

A Lei Federal não é inconstitucional. Sua aplicação ou interpretação é que pode sê-lo, como está acontecendo com o Decreto Estadual paulista. 

Antes que o Judiciário a declare, espera-se que a inconstitucionalidade seja corrigida mediante a alteração do Decreto para atribuir a competência de aplicar sanções exclusivamente a um órgão público da Administração Direta, isento e que também possa ter a transparência de poder ser fiscalizado pelos cidadãos. Igualmente, considerando que cada estado da federação ou município terá seu próprio regulamento, espera-se que evitem repetir esta inconstitucionalidade.  

Como se dá a regulamentação da Lei Federal 12.846 nos outros Estados? 

A lei entrou em vigor recentemente, de modo que ainda não temos conhecimento de outros estados regulando a matéria.

Leia a entrevista diretamente do site acessando o link abaixo:
http://http://www.caasp.org.br/noticias.asp?cod_noticia=2824

Vicente Greco Filho

Jurista, advogado, sócio-coordenador da Greco Filho Soc. de Advogados, procurador de Justiça do Estado de SP (aposentado), professor sênior Livre Docente na USP e escritor de livros jurídicos

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